para a equipe médica da oncologia como discente do curso de Graduação em Enfermagem, acompanhando as visitas clínicas diárias como um meio para suprir minha necessidade de criar perspectivas de conhecimento para um atendimento humanizado. Para minha gratificação pessoal e profissional, obtive destes profissionais acolhimento, o que me deu a oportunidade ímpar de empreender os primeiros passos na prática da enfermagem tendo em vista pacientes com diagnóstico de câncer. Daquela época aos dias atuais, vem me chamando atenção o fato de o paciente hospitalizado, já no fim de existência, permanecer isolado em seu leito, distante do que lhe é precioso, como a própria casa, seus objetos pessoais, seus sonhos e seus familiares, visto que estes somente podem visitá-lo em dias e horários pré-estabelecidos pela instituição. Não bastassem todas estas privações, os cuidados prestados pelos profissionais de saúde nesse momento, segundo minha ótica, são ainda hoje bastante limitados, na medida em que são centrados em procedimentos técnicos. Neste contexto, estabeleci metas pessoais e profissionais para possibilitar visitas diárias aos enfermos. Essas visitas concretizaram-se por meio de uma vontade compromissada na relação com os mesmos. Gradativamente, fui me inserindo na equipe médica e de enfermagem, conquistando sua confiança e cooperação, inteirando-me cada vez mais das etapas do tratamento, das fases da doença e das características do paciente oncológico. Por meio das leituras e estudos de obras especializadas, fui adquirindo conhecimentos técnicocientíficos sobre o câncer, os sintomas, as drogas, seus efeitos colaterais, os analgésicos administrados para o controle da dor, a sedação do paciente agonizante e sua dimensão biopsicossocial e espiritual. Enfim, à medida que aprendia, mais sentia-me compromissada com a construção de um embasamento mais sólido, que me possibilitasse abrir novos horizontes aos cuidados que prestava. Dentre as situações vivenciadas no cotidiano hospitalar, a situação de afastamento que existe entre os pacientes, seus familiares e os profissionais de comunicação é um espaço em que envolve a compaixão, a empatia, a solidariedade e interação diante de um paciente que se encontra à deriva entre o nascer, o viver e o processo de finitude. Todo Ser Existencial, se questiona e quer entender, como é esse processo existencial, um corpo, uma matéria viva, e que de um momento para outro, tornarse-á pó,onde, o corpo é processado pelo tempo, ou seja, um tempo que tem um fim, um tempo imprevisível. Minhas inquietações diante da ação da arte do curar e cuidar, em face do processo de morrer, surgiram durante o curso de graduação, quando iniciei as atividades em campo de estágio. A saúde, particularmente os médicos e os enfermeiros, inquietava-me de forma particular. Notava uma tendência à rotina, à burocracia e o cuidar do doente parecia ser casual, distante, mecanicista, restrito a um conjunto de procedimentos, meios e modos de fazer que se repetiam. Nesta trajetória, ainda na qualidade de acadêmica, sentia também necessidade de aprofundarme na temática do processo da morte e da finitude. Paralelamente, durante meu processo de formação acadêmica desenvolvi alguns estudos em nível de iniciação científica, mantendo essa linha de interesse. Um dos estudos versou sobre a morte e o morrer, com o objetivo da preparação dos futuros profissionais de Enfermagem. Os resultados mostraram que esta temática é abordada de forma superficial e que os acadêmicos recebem conteúdos para garantirlhes condições de preparo mais técnico do que emocional e/ou espiritual. Outro estudo realizado, agora na forma de trabalho de conclusão de curso, visou a conhecer o preparo que os professores de Enfermagem do ciclo profissionalizante de um curso de graduação nessa disciplina tinham para orientar alunos que assistem pacientes em processo final de doença. Esta pesquisa revelou uma tendência de os professores transmitirem orientação voltada prioritariamente à esfera técnica, o que deixava os estudantes despreparados para uma orientação espiritual e emocional, sempre necessária no caso. Este estudo mostrou também que havia limites para a ação educativa do professor da área clínica, o que contribuía, de alguma forma, para a reprodução dessa atitude no processo de morrer, restringindo as possibilidades de uma ação diligente, zelosa, mais humanizante. Deste modo, já naquela época, pensava em fazer algo em favor dos doentes que convalesciam de uma doença crônico-degenerativa: o câncer, bem como estabelecer novos procedimentos de atendimento a seus familiares, ávidos por informações e carentes de esclarecimentos sobre suas dúvidas em relação à doença e suas complicações. Essa caminhada direcionou meu olhar para o mundo da pessoa com câncer, mundo esse que inclui seus familiares, os profissionais de saúde, particularmente o médico e o enfermeiro. Pude ir construindo parcerias que acentuaram a minha percepção, realçando a necessidade de aquisição de novos conhecimentos e o estabelecimento de práticas diferenciadas de intervenções técnicas, em conciliação harmoniosa com o sentimento de acolhimento humanizado, com o exercício do cuidar zeloso e da solicitude. A vivência no ambiente hospitalar despertou em mim reflexões que redimensionaram meus conceitos de assistência, do cuidar e do relacionar-me com enfermos, os familiares e com a equipe dedicada ao tratamento. atuação voltada para uma assistência mais humanizada. Naquela época, realizei outro estudo que mostrou a importância de se introduzir, no currículo de graduação em Enfermagem, o estudo da Tanatologia 1 Após esta experiência na área docente, optei por permanecer com o trabalho de caráter voluntário com pacientes fora de possibilidade de qualquer recurso de cura clínica e/ou cirúrgica em uma instituição hospitalar vinculada a uma universidade particular, na qual venho atuando desde minha formação na graduação, conforme já relatado. Esta opção pelo voluntariado tem permitido um transgredir do modelo assistencial vigente, no qual a dimensão técnica é altamente valorizada, preterindo outras dimensões tanto ou mais importantes, como a emocional, espiritual e, ainda, a de suporte familiar. Dessa forma, esta opção proporciona-me dedicar mais tempo aos pacientes, vale dizer, o tempo que for necessário para ajudá-los a enfrentar distintas fases de tratamento, entender as dificuldades que estão experienciando durante a internação e compreender as várias formas de e a abordagem humanística, com a abordagem dos cuidados paliativos para a formação do futuro profissional. Esse estudo buscou não só despertar, mas, também, levar o aluno a desenvolver um compromisso no exercício de suas atividades com os pacientes quando a doença ameaça a vida numa perspectiva mais humanizada, menos tecnicista, visando a minimizar a descaracterização do paciente no processo final de vida e proporcionar, ainda na graduação, uma vivência diferenciada ao acadêmico no que diz respeito a questões relacionadas a tais pacientes. Em seguida, ingressei no Programa de Pós-Graduação -Nível Mestrado na área de Educação. A opção por essa área visou, dentre outros objetivos pessoais, a ampliar meus conhecimentos nas ações do educar para a saúde. Assim, fundamentada teoricamente no referencial da educação, decidi aprofundar-me em estudos sobre a preparação para a nossa própria morte e para a dos outros, consolidando minha relação de interesse com a Tanatologia e cuidados paliativos. As considerações mencionadas mostram, de maneira sucinta, como se deu a minha inserção no trabalho com pacientes quando a doença ameaça a vida e, na convivência diária com doentes acometidos pelo câncer, com seus familiares e com a equipe de saúde. 1 Tanatologia é uma palavra que vem do grego (Thánatos-Morte; Logos-Tratado) e significa "estudo da morte". Este estudo é, porém, muito mais abrangente, pois procura englobar todos os fatos que se relacionam direta ou indiretamente com a morte, interligando-os em busca de uma melhor compreensão deste acontecimento inegável para o homem. expressão de seus sentimentos como o medo, a revolta, a angústia, a depressão. Esta forma de cuidar do paciente oncológico, entendendo-se que seu sofrimento é genérico, tem-me dado a oportunidade de acesso ao seu espaço existencial durante todo o tratamento, cujo resultado pode ser a evolução para a cura ou, muitas vezes, para o enfrentamento da terminalidade. Trata-se de uma proposta de cuidado capaz de respeitar o enfermo e, ao mesmo tempo, dar-lhe qualidade de vida, durante o tempo que lhe resta viver, oferecendo-lhe tratamento adequado e escuta suficientemente aberta e respeitosa, capaz de possibilitar-lhe entrar vivo na morte, de forma digna. A assistência prestada por mim é baseada nos princípios filosóficos do programa de cuidados paliativos e dor, do qual procuro extrair a lição de que se pode aliar a competência técnica à qualidade de assistência mais humanizada. Não se trata, de modo algum, de rejeitar tudo o que nos é proporcionado pela tecnologia ou pela ciência, mas, complementarmente, acrescentar-lhe uma dimensão humana, com qualidade de vida que pode ser representada pelos sentimentos do amor, da paciência, da caridade, da compaixão, e da empatia. São modalidades de relações que se estabelecem e que são intrínsecas à natureza da pessoa. É importante, no entanto, não apenas considerar o número de sobreviventes e tempo de sobrevida, mas, também, os aspectos emocionais, funcionais, sociais e psicológicos da existência humana, para poder alcançar maior qualidade na assistência. A prática efetiva desta modalidade de assistência permite-me interagir com outros profissionais de saúde, como o terapeuta ocupacional, a assistente social, psicólogo, fisioterapeuta, nutrólogo entre outros, para que possam também atuar com os pacientes. Os profissionais de Enfermagem são os que mais tempo permanecem junto do paciente e também dos familiares, constituindo-se em verdadeiro elo, com potencial para promover a interação de todos os envolvidos e buscar por recursos que possibilitem ao paciente melhor qualidade de vida. É assim que, como enfermeira, sempre fui acolhida no referido hospital, atuando como parte integrante de uma equipe interprofissional para esta assistência que, entre outros benefícios alcançados, tem facilitado a adesão do paciente ao tratamento, assim como tem ampliado a comunicação entre o doente, a família e a equipe interprofissional. Atuar dessa forma tem-me permitido ir ao encontro do outro, tão profundamente quanto possível, bem como penetrar-lhe no âmago e avaliar suas preocupações, para, desta forma, permitir-lhe encontrar suas próprias respostas. A integração que realizo com a família tem sido necessária e nossa proposta é mantê-la inserida no processo de acompanhamento ao seu familiar no período de internação. Tenho procurado, ao longo desses anos, romper com a rigidez das regras definidas para visitas, de tal maneira que estas possam chegar a qualquer hora, que possam ser acolhidas pelo serviço, tendo possibilidade de receber a atenção do profissional, especialmente nos momentos de suas angústias, de seus questionamentos e tensões. É, portanto, a entidade doente-família que é acompanhada, até mesmo com visitas domiciliares que realizo, quando da alta hospitalar ou, então, quando a opção do paciente seja por permanecer em casa até seus últimos dias. Além da assistência a pacientes oncológicos, exerço também atividades de consultorias, assessorias e assistências em instituições hospitalares, escolares e outras, por meio de um centro de estudos em Tanatologia, com o objetivo de promover o desenvolvimento de estudos e de pesquisas relacionados à área da ciência referida, oferecendo atendimento clínico multidisciplinar para recuperar e ressignificar o viver. É importante que os profissionais da área de saúde que convivem com situações ligadas à morte e às pessoas que estão morrendo, sensibilizem-se diante da perda e do enlutamento. Essa preocupação vem sendo discutida com a equipe como forma de aprendizado e complementada com cursos, grupos de estudos e workshops. O que viabiliza este trabalho é a convivência diária com pacientesoncológicos, ou não, que estão em tratamento terapêutico, ou quando a doença ameaça a vida, hospitalizados ou em seus domicílios. Por meio do relacionamento interpessoal do cuidado humano é que me disponho a perceber o outro, no momento presente, em processo de transformação, cujos objetivos apontam para uma única direção: promover a qualidade de vida enquanto existir vida. Disponibilizo minha atuação numa assistência que me permite, por meio da ação do cuidado de enfermagem, obter conhecimentos importantes sobre a experiência de morrer e a enfrentar as solicitações do que uma pessoa precisa para transpor o tratamento e ou o processo de morrer. # Falando do Cuidar O cuidado é uma parte integrante da vida. Nenhum ser humano é capaz de sobreviver sem cuidado. Historicamente, o homem sempre teve a necessidade de ser cuidado, desde seu nascimento até seus instantes finais, estendendo também os cuidados a tudo o que contribui para sua sobrevivência, como o provimento de seu alimento, a água, o abrigo, entre outras necessidades. Dentre todos os animais, o homem é o que tem menores condições de sobrevivência sem cuidados, quando nasce. É o mais frágil de todos eles. Neste sentido, o vir ao mundo (nascer) coloca-nos, de imediato, diante da possibilidade do morrer, caso não se cumpra a condição essencial, isto é, a arte do cuidar. Cuidar é, portanto, elemento essencial dos fenômenos envolvidos nas relações que se estabelecem entre viver e morrer. Para o humano, esse cuidar envolve outras dimensões, em relação a outros animais. É um cuidar que se reveste de múltiplos aspectos que não só a provisão material. Leloup (2001) considera que o cuidar abrange, além do corpo (alimento e vestuário), o cuidar da psyche, das imagens e dos arquétipos que o animam, cuidar do seu desejo e da orientação que se lhe daria, cuidar do outro pela oração. Importa, agora, cuidar do ser. É o mesmo que dizer que devemos "cuidar" particularmente daquilo que não é doentio nem mortal em nós. Assim, o olhar do terapeuta não está voltado em primeiro lugar para a doença ou para o doente, mas para aquilo que se acha fora do alcance da doença e da morte nele. Pela expansão da vida humana sobre o planeta, acabamos por constatar a enorme interdependência de cada cidadão, fato comprovado pela globalização e rapidez de circulação das informações, produtos e pessoas. Se, durante a vida, cada um não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e por destruir o que estiver à sua volta. O cuidado entra na natureza e na constituição do ser humano (Boff, 1999). Sem o cuidado, recebido ou doado, o homem deixa de experienciar sua humanidade e, se buscar construir sua vida em isolamento, verá que estará fadado ao fracasso absoluto, pois, existindo realisticamente tamanha interdependência entre todos, menosprezá-la pode levar à perda do sentido holístico da vida. A pessoa que vive esta situação pode acabar por morrer física ou psicologicamente (Boff, 1999). O cuidado é algo que deve ser entendido muito além de um simples ato, por consolidar uma atitude revestida de significância e significado. Conforme Waldow (1998), o cuidado ativa um comportamento de compaixão, de solidariedade, de ajuda no sentido de promover o bem. Neste sentido, os profissionais de saúde que visam o bem-estar do paciente, a sua integridade moral e a sua dignidade como pessoa devem possuir intencionalidade no ato de cuidar. Um novo caminho dentro da enfermagem é trazido por Mayeroff (1990), no qual articula-se o conceito de cuidado no sentido relacional, enfocando-o do ponto de vista existencial filosófico. O autor afirma que o cuidar é um compromisso que a pessoa assume com o outro. Num processo que ajuda o outro a crescer, a ideia é que esse ser venha a cuidar também de algo ou de alguém, assim como de si mesmo. Ao experienciar o outro ou a uma ideia, não há dominação ou manipulação, apenas confiança. Segundo Mayeroff (1990)... "para cuidar de outra pessoa, devo ser capaz de entendê-la e ao seu mundo como se estivesse dentro deste... Devo ser capaz de estar com ela em seu mundo, 'entrar' nesse mundo, para sentir de 'dentro' como é a vida para ela, o que se esforça para ser, e do que precisa para crescer". Conforme referido por Buber (1987), o ser humano distingue-se por sua relação com os outros seres e/ou objetos. A relação com outro ser humano é um estado em que um reconhece o outro como sujeito e com ele se importa. A obra Eu-Tu, de Martin Buber, é inexoravelmente unida à vida, na qual a reflexão e ação (logos e práxis) estão intimamente relacionadas. A reflexão e ação do cuidado humano concerne ao relacionamento Eu-Tu, Eu-Isso. Buber deu o nome de "Eu-Tu" à relação em que as decisões são todas compartilhadas. É importante notar que a inter-relação, possibilitada pelo compartilhar das decisões, exercida entre seres humanos que pensam, sentem, decidem, percebem, que têm crenças e valores que lhes são próprios, que interagem com o ambiente, desempenhando nele os seus papéis, de forma integral, estão, na verdade, estabelecendo padrões de cuidados, geralmente mútuos, não dominantes ou dominados. Na reflexão sobre o mundo do "Eu-Isso", verificamos a imposição pelo poder, pela força, simbólica ou não, porque o desejo do cuidador é o de manipular o outro, muitas vezes transformá-lo em objeto, em campo de experimentação. O que recebe o cuidado não pode ser utilizado como ferramenta para os propósitos do cuidador. É frequente, no entanto, as relações se darem de forma impessoal, em que o cuidador desempenha seu trabalho de forma correta, eficiente, porém apenas em observância ao aspecto técnico. Os procedimentos são realizados em um corpo qualquer, impessoal, destituído de espírito, de alma. Esse tipo de relacionamento caracteriza-se pela relação pessoa-objeto. No mundo do "Eu-Tu", o exercício do poder nunca é utilizado porque o "meu" desejo é acolher dentro de "mim" a pessoa (ou objeto) à minha frente. Boff (1999), tratando da questão do cuidar, diz ser esta ação mais que um ato, afirmando que é uma atitude que abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo, representando, sim, uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro, algo transcendental, supranatural. Estudos como o de Waldow (1998) referem que o cuidar envolve verdadeiramente uma ação interativa. Essa ação e comportamento estão centrados em valores e no conhecimento do ser que cuida para o ser que é cuidado e que passa também a ser cuidador, quando possível. Outro aspecto que complementa a ideia no processo de cuidar, evidenciado por Boff (1999) e que fortalece a decisão de escolha do tema deste estudo é a proteção materna instintiva, considerada por historiadores e antropólogos, como a primeira forma de manifestação do homem no cuidado dos seus semelhantes. O modo-de-ser-cuidado revela a dimensão do feminino na mulher, por sua própria natureza, mas também evidencia no homem semelhante qualidade. Devemos lembrar que o feminino esteve sempre presente na história. As mulheres, por sua condição procriativa, cuidadora, portanto, dentre outras qualidades, em muitas civilizações detinham a hegemonia histórico-social e davam ao feminino uma expressão tão profunda que ficou gravada na memória permanente da humanidade por meio de grandes símbolos, sonhos e arquétipos presentes na cultura e no inconsciente coletivo. Desta forma, Waldow (1998) considera que, por meio do cuidar, as mulheres expressam uma forma de relação com o mundo. Ao pensar o cuidado humano como uma forma de estar, de ser e de se relacionar, as mulheres, inquestionavelmente, podem ser consideradas cuidadoras, por excelência. Segundo o entendimento de Boff (1999), o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para o cuidador, passando, então, a dedicar-se à pessoa cuidada, dispondo-se a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida. Assim, o cuidado passa pelo desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção e bom trato para com o outro. Para Silva (2000), o ato de cuidar deve ser assumido de forma equilibrada e harmônica, emprestando a todas as situações envolvidas a mesma atenção e responsabilidade. O tempo que se dedica ao paciente deixa de ser o mais importante, desde que se possa transformar a assistência oferecida em atitude de qualidade, intensa e honesta, capaz de auxiliar verdadeiramente aquele de quem se está cuidando. Waldow (1995) lembra que cuidar/cuidado requer, ainda, a análise e a compreensão do significado das ações humanas e dos valores que determinam as escolhas humanas na saúde e na doença. Refere também que certas necessidades humanas incluem aceitar o outro não só como ele é, mas como ele virá a ser, incluindo também o meio ambiente, responsável pelo desenvolvimento ou degradação do potencial humano. # O Significado Do Cuidar No Processo De Morrer Na Voz Das Mulheres O cuidado, como ato, é amplo e abarca em seu sentido todos os sentimentos que temos como pessoas. Para cuidar é necessário empenho e disposição. De uma forma geral, a finalidade de cuidar na enfermagem é, prioritariamente, aliviar o sofrimento humano, manter a dignidade e facilitar meios para manejar com as crises e com as experiências do viver e do morrer (Leopardi, 1999). Desta forma, o profissional de saúde deve ser o canal facilitador da escuta de uma forma sensível, seja ela qual for, e sempre percebê-la como eco de uma voz mais silenciosa e mais alta. É poder transmitir à pessoa enferma que somos merecedores de confiança, que estamos seguros e somos consistentes. Tendo em vista, portanto, toda essa minha longa e gratificante vivência, cuidando de mulheres com câncer, posso dizer, agora, com o desvelamento de uma das facetas deste fenômeno, que é imprescindível ouvir com frequência as confidências das mulheres. Estas não têm só medo da morte, mas temem ainda o sofrimento relacionado ao processo de morrer. Isso ocorre especialmente quando esta experiência é marcada pela intervenção mutilante, impotência física ou pela dor. A dor é o que existe de mais terrível na experiência humana e fato que tão frequentemente acompanha a evolução da doença oncológica, trazendo ameaça à integridade pessoal e rompendo perspectivas futurais. É preciso que o profissional da área de saúde desenvolva a sensibilidade necessária, colocando em prática os fundamentos humanitários de sua formação acadêmica, de sua trajetória pessoal, como indispensáveis à percepção e contenção do sofrimento que vivencia a mulher no processo de morrer. Terminado este artigo, o significado do cuidar na voz das mulheres, reporto-me novamente à fala que desvela, de forma autêntica o fenômeno que estava velado no início deste estudo: Aproximaria mais do paciente, ficaria mais tempo ao seu lado, tentaria ouvi-lo mais. Prestava mais atenção naquilo que ele está querendo dizer, ou seja, talvez naquilo que ele quer dizer, mas, não está conseguindo. Daria mais oportunidade para ele exteriorizar a sua dor, o deixaria chorar os seus medos, chorar as injustiças, chorar seu sofrimento. (d-11) Habitar esse mundo aproximou-me dos pacientes oncológicos, possibilitando competências para a ação e a intervenção do cuidar. Como a maioria dos estudantes e profissionais em campo, eu tinha muita insegurança, medo de errar, e, errando, provocar mais sofrimento ao doente. Sensível, porém, à necessidade dos mesmos, assumi a postura de incluir em minha trajetória de formação na área, a experiência do convívio com estes pacientes.Viver as experiências de aprendizagem, refletir e poder compartilhar muitas vezes meus sentimentos com os pacientes, proporcionou-me crescimento pessoal e profissional, ressignificando o ato de curar e de cuidar. Comecei a perceber os doentes como pessoas, com uma memória, uma história de vida, da qual fazem parte o passado, o presente e as difíceis perspectivas futuras permeadas por angústias, medos, e interrogações insondáveis. Deixei de vê-los como corpo-objeto, entregues às mãos da ciência médica. Passei a percebê-los, também, como meus mestres, pois sempre tinham algo importante a me dizer, a ensinar-me. Passei a entendê-los como seres humanos, que realmente são, e que, na situação de pacientes, dependem, propõem, solicitam, agem e reagem, e, ainda, que, a despeito de todas as circunstâncias a que estão sujeitos, sonham e sentem a necessidade de organizar suas vidas, embora, quase sempre, seja a última vez que o fazem ou tentam fazê-lo.A cada visita, eu atentava a tudo que cercava o paciente, bem como à sua família. Centrava-me naquilo que falávamos e nas coisas que eram ou poderiam ser importantes para eles todos. Ao estar-com o paciente e próxima a seu leito, tornava-me atenta à sua linguagem facial, corporal e do silêncio. Podia entender suas alterações, perceber, por meio de situações não verbalizadas, se seu humor estava alterado em decorrência da dor, da tristeza, da revolta, entre outros fatores, ou, até mesmo, por algo que o impossibilitava de se comunicar, como a dificuldade de respirar, a intensidade da dor, a vergonha ou qualquer outro detalhe pertinente.Este período foi, portanto, transformador e rico de experiências gratificantes que forjaram minhas convicções e traçaram, embrionariamente, meus objetivos.Uma vez graduada em Enfermagem, realizei concurso em caráter de provimento temporário para o ingresso na docência em uma universidade particular, vindo a ser aprovada.Embora houvesse falta de experiência profissional, fui guiada pelo programa das disciplinas, atuando com muito entusiasmo, tendo como norte uma assistência integralizada, permeada por princípios éticos e humanísticos. Fui em busca de conteúdos que extrapolassem o caráter tecnicista, procurando despertar nos acadêmicos a responsabilidade de sua * Ética do humano -compaixão pela terra LBoff Saber Cuidar 1999 Vozes Petrópolis * MBuber Eu E Tu 1987 Centauro São Paulo Trad. de Newton Aquiles Von Zuben. 5.ª ed * o cuidar no processo de morrer na percepção das mulheres com câncer. Uma atitude fenomenológica MV BCarvalho 2004 Tese de Doutorado pela Universidade de São Paulo -USP * Cuidar do ser: Filon e os terapeutas de Alexandria J-YLeloup 2001 Vozes Petrópolis * Teorias em enfermagem: instrumentos para a prática MTLeopardi 1999 Papa Livros Florianópolis * On caring. 2nd MMayeroff 1990 Harper Perennial New York * Percebendo o ser humano além da doença -o não-verbal detectado pelo enfermeiro MjpSilva Nurs Rev Téc Enferm 4 41 2001 * Cuidado humano: o resgate necessário VRWaldow MjmLopes DEMeyer 1998 Sagra Luzzatto Porto Alegre